Creio que não existe nada de mais belo, de mais profundo, de mais simpático, de mais viril e de mais perfeito do que o Cristo; e eu digo a mim mesmo, com um amor cioso, que não existe e não pode existir. Mais do que isto: se alguém me provar que o Cristo está fora da verdade e que esta não se acha n'Ele, prefiro ficar com o Cristo a ficar com a verdade. (Dostoievski)

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3 de dez. de 2008

lembranças de um quase aborto

Ontem eu estava me lembrando de uma história que aconteceu em Paris, quando eu morava lá. Isso foi em 1996/1997. Logo que cheguei, morei no 19e. arrondissement, dos 20 nos quais a cidade está imaginariamente dividida. Logo conheci uma brasileira, que trabalhava em um estúdio de arte alternativa, bem perto de onde eu morava. Conversando com ela, ouvi diversas vezes sua história: tinha vindo para a França há mais de oito anos, era do Rio de Janeiro, não falava com sua família, tinha chegado sozinha, havia lutado muito para se estabelecer e ter o que havia construído. Um dia, ela disse que estava grávida, e que não sabia o que faria. Disse que não tinha coragem de contar ao pai da criança, um francês, e que não tinha condições de criá-la, nem materiais, nem psicológicas, nem afetivas. Disse que não podia contar com sua família, que não estava preparada etc. Num outro dia, disse que tinha marcado uma consulta médica, e que abortaria. Com o semblante sombrio, ela me disse que era muito prático, rápido, sem problemas, e que o aberto era uma prática legalizada na França, como em quase toda a Europa. Acho que ela ficou apavorada com a idéia de ter um filho, mas a tal coragem que ela dizia ter a fez decidir pelo aborto. Fiquei pensando sobre isso. Sinceramente, aquilo me deixou sem fala. O aborto é um caminho fácil. Ouço muita gente dizer que o aborto é a última decisão, o último recurso, e que é preciso coragem para abortar, pois o aborto era uma decisão "difícil". Depois de uns dias voltei ao apartamento da brasileira, e de novo eu a ouvi falar de sua coragem pra segurar as pontas, pra enfrentar os problemas, pra lutar, pra vencer. Pedi desculpas a ela, mas discordei.
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Disse a ela que na verdade ela não tinha coragem nenhuma, pois estava com medo de uma criança. Perguntei que coragem era aquela, que a fazia recuar diante da possibilidade de ter um filho. “Que coragem é essa, sua, que vai fazer você tirar essa criança? Que não tem coragem de contar pro pai desse filho que você está grávida? Que tem medo da reação dele? Coragem nada, você está sendo covarde. Tem coragem? Enfrenta tudo? Então tem esse filho, cria, luta, trabalha. Isso sim é ter coragem. É muito fácil ir ao médico e tirar filho. Não é preciso ter coragem pra fazer isso. Você não fez um monte de coisa, não enfrentou situações difíceis, não saiu do Brasil sem nada, veio pra cá, batalhou? Então agora tem seu filho. Se você é mesmo corajosa, vai conseguir.”

Depois dessa conversa, ela falou com o pai da criança, que eu conheci também. Não sei se foi por conta do que eu disse, mas ela decidiu ter o bebê. Também não sei se foi por conta das minhas palavras, mas ela não falou mais comigo. Cheguei a vê-la no metrô, algumas vezes, grávida, e depois com o bebê, mas não nos cumprimentamos. Uma amiga dela, que era jornalista, me disse que ela estava ótima e, frisando, que “era uma mãe excelente”. Será que eu a ofendi, ou ataquei sua auto-estima? Será que eu a chamei de incapaz, ou dei a entender isso, quando resolvi falar pra ela o que eu pensava da “coragem” para abortar? Não sei.

O que eu sei é que o discurso pró-aborto é muito sedutor. Fala-se do aborto como o “último recurso”, mas não é bem assim. Fala-se que a mulher que aborta é corajosa, e chega-se a conferir-lhe características heróicas, exaltando seu sofrimento, seu humanismo e o trauma à qual resolveu se submeter em prol da “liberdade”, da “independência” e do controle sobre seu próprio corpo. Fala-se, das mulheres que resolvem abortar, que são desbravadoras verdadeiras vanguardistas de seu tempo, mulheres ousadas que desprezam conceitos caducos e tradicionalistas, antigos e ultrapassados. Chega-se a dizer que a mulher que aborta abre caminhos, para que outras tenham a mesma “liberdade” que ela. O discurso pró-aborto é muito fácil, pois se apóia no sofrimento da mulher, vitimizada ao extremo. Da criança, diz-se apenas que é um “feto”. A mulher que aborta é vista como alguém que está sendo aviltada em sua liberdade, ao carregar um “feto” indesejado. A mulher que pratica o aborto é tida como uma vítima das convenções sociais, que a “obrigam” a levar adiante uma gravidez não planejada. E por que a “obrigam” (como se ela nada tivesse a ver com a própria gravidez)? Ora, por conta de um “feto”.

A covardia do discurso pró-aborto está, entre outras coisas, na visão de que uma vida humana independente, com código genético diferenciado, que está abrigada no ventre da mulher e que precisa estar ali durante alguns meses, é um “feto”, uma coisa sem vida. Se um feto é um feto, seja dentro do ventre materno seja dentro de um vidro com formol, seja no lixo, então abortar não traz nenhuma implicação legal nem moral. A desumanização do “feto”, do “embrião” ou do "bebê", se nosso discurso for mais honesto e menos eufemista, faz parte da construção da lógica discursiva que trata o aborto como uma decisão de foro íntimo da mulher, como se ela fosse a dona de outra vida, ainda que esta vida dependa de seu organismo para existir, durante algum tempo. A relação de dependência entre o “feto” e a mãe confere à mulher poder de vida e morte sobre seu filho, o que também é falacioso. Ora, um médico que opera um paciente também tem poder de vida e morte sobre ele, mas nem por isso pode decidir se ele vai viver ou não. Um seqüestrador que mantém sua vítima em cativeiro também tem poder de vida e morte sobre ela, mas se ele a matar será considerado um homicida. Dizer que o “feto” não é um ser humano também é um raciocínio torto, pois a vida humana começa desde a concepção – pelo menos de acordo com a Biologia moderna. Se aos três meses a criança no ventre da mãe ainda não é um ser humano formado, aos dois anos tampouco não se pode dizer que seja.

O mais curioso é que a maioria das pessoas que defendem o aborto são contra a pena de morte, por considerarem a pena capital uma covardia. Por considerarem que o Estado não tem o direito de tirar a vida de um ser humano. Quanta ironia, se pensarmos que a mulher também não tem o direito de tirar a vida da criança indefesa que depende dela para existir. Aí está a imensa covardia do aborto: enquanto o preso condenado à morte pode falar, ter um advogado e se defender, a criança que está em gestação não consegue se defender, de nenhum modo. Sou contra a pena de morte, e, coerentemente, terminantemente contra o aborto. Eis porque eu considero o aborto não um ato de coragem ou uma demonstração de independência, ou, pior ainda, uma solução para o sofrimento da “vítima”, a mãe, como muitos nos querem fazer crer. O aborto não é nada disso. É um incentivo à irresponsabilidade, à covardia, à insensibilidade para com a vida. É um ato desonesto. Considero o aborto a maior imposição de força bruta que pode existir. Pena de morte, campos de concentração, ataques terroristas e aborto estão no mesmo patamar de estupidez e canalhice.

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