Creio que não existe nada de mais belo, de mais profundo, de mais simpático, de mais viril e de mais perfeito do que o Cristo; e eu digo a mim mesmo, com um amor cioso, que não existe e não pode existir. Mais do que isto: se alguém me provar que o Cristo está fora da verdade e que esta não se acha n'Ele, prefiro ficar com o Cristo a ficar com a verdade. (Dostoievski)

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13 de fev. de 2011

relativismo cultural é blablablá que só funciona em conversa de mesa de bar



Blablablá



por Luiz Felipe Pondé

O que você faria se estivesse a ponto de assistir a um ritual de antropofagia? Interromperia (sem risco para você)? Ou deixaria acontecer em nome do relativismo cultural (essa ideia que afirma que cada um é cada um, que as culturas devem ser respeitadas em sua individualidade e que não podemos compará-las)?

No primeiro caso, você seria um horroroso descendente dos "jesuítas"; no segundo você seria um relativista chique. Sempre suspeitei que esse papo relativista fosse blablablá. Funciona bem em aula de antropologia, em bares, em parques temáticos e lojas de curiosidades. É evidente que "jesuítas" de todos os tipos fizeram horrores nas Américas. Todo adulto bem educado sabe que é feio condenar cultos à lua ou à chuva. Mas há algo no relativismo cultural que me soa conversa fiada: o relativismo cultural morre na praia quando você é obrigado a conviver com o Outro. E o "Outro" nem sempre é legal.

Se você aceita a antropofagia em nome do respeito à "cultura", aceita implicitamente a ideia de que o valor da vida humana seja subordinado à "cultura". A vida humana não tem valor em si. Todo estudante de antropologia sabe recitar esse credo. Quando confrontado com dilemas como esse, o relativista diz que se trata de uma situação meramente hipotética (hoje não existe mais antropofagia). Mas a verdade é que quando o relativista diz que a antropofagia é hoje quase nula, e, portanto, esse dilema não tem "validade científica", está literalmente correndo do pau porque "alguém" acabou com a antropofagia, não? Por que a antropofagia "acabou"?

Algumas hipóteses: 1) os antropófagos foram mortos por gripes ou em batalhas; 2) foram convertidos pelos horrorosos "jesuítas" e seus descendentes; 3) descobriram formas mais fáceis de comer e rituais que deixam as pessoas (isto é, os Outros) menos irritadas e com menos nojo. É importante conhecer o "lugar" da antropofagia nas religiões dos canibais, mas isso é apenas um "dado" antropológico. Uma descrição de hábitos (ruins). Mas o relativista tem que correr do pau mesmo, porque seu credo funciona bem apenas nas conversas de salão. A vida é sempre pior do que as festas. Relativistas culturais são, no fundo, puritanos disfarçados, gostam de "aquários humanos".

Os seres humanos são culturalmente promíscuos, e "a cultura" sem promiscuidade (trocas, misturas, confusões) só existe nos livros. Use internet, televisão, celulares, aviões e estradas, faça sexo ou guerra, e o papo do relativismo cultural vira piada. Na realidade, as pessoas lançam mão do argumento relativista somente quando lhes interessa defender a "tribo" com a qual ganha dinheiro e fama. O problema com o debate sobre os índios (ou qualquer outra cultura considerada "coitada") é a mitologia que ela provoca. Se, de um lado, alguns falaram dos índios (erradamente) como inferiores, bárbaros ou inúteis, por outro lado, os que "defendem" os índios normalmente caem no mito oposto: eles são legais e só querem viver "sua cultura", e eles não são "capitalistas" como nós, e blablablá. Índios gostam de poder como todo mundo, vide os índios "conscientes de seus direitos" devorando computadores, celulares e internet no Fórum Social, em Belém -ou ficam na idade da pedra mesmo e precisam que o Estado os defenda do mundo.

As culturas mais bem-sucedidas são predadoras e seduzem as mais fracas (ser mais bem-sucedida não implica ser legal). Por que levar medicina científica (invenção dos "opressores") para as aldeias? Não seria contaminação "cultural"? Vamos ou não brincar de "curandeiros"? Que tal abraçar árvores? Se você é católico e quer ser fiel aos seus princípios, você é um retrógrado; se você quer viver no meio da selva (com direitos adquiridos porque você é de uma cultura "coitada"), você é apenas uma tribo com direito a integridade cultural. O conceito de cultura é quase um fetiche do mercado das ciências humanas. Não que não existam culturas, mas o conceito na sua inércia preguiçosa só funciona no laboratório morto da sala de aula ou do museu. A vida se dá de forma muito mais violenta, se misturando, se devorando.

Nada disso é "contra" os índios, mas sim contra o relativismo como ética festiva. O oposto dele não é o obscurantismo, mas a dinâmica da vida real. O relativismo é um (velho) problema filosófico e um "dado" antropológico. Um drama, e não uma solução.


***

Pesquei do Paulo Lopes Weblog. Sugestão de leitura do Gutierres Fernandes Siqueira.

Leia também: Brasil: infanticídio indígena e relativismo multicultural, no Mídia Sem Máscara.

4 de fev. de 2011

um estudo sobre o orgulho


UM ESTUDO SOBRE O ORGULHO

Mayalu Felix

Este estudo está fundamentado em trechos de duas obras de C. S.Lewis, Cristianismo Puro e Simples e O Problema do Sofrimento, em excertos de Ortodoxia, de G. K. Chesterton, e em exemplos bíblicos acerca do orgulho. Segundo C. S. Lewis, há duas naturezas de pecado: os carnais e os de natureza espiritual.

“Os pecados da carne são maus, mas, dos pecados, são os menos graves. Todos os prazeres mais terríveis são de natureza puramente espiritual: o prazer de provar que o próximo está errado, de tiranizar, de tratar os outros com desdém e superioridade, de estragar o prazer, de difamar. São os prazeres do poder e do ódio.” (Cristianismo Puro e Simples, p. 135)

O orgulho, segundo Lewis, pertence à categoria de pecados de natureza espiritual. Vale a pena ler, na íntegra, o que diz ele no capítulo oito de seu livro:

“Chego agora à parte em que a moral cristã difere mais nitidamente de todas as outras morais. Existe um vício do qual homem algum está livre, que causa repugnância quando é notado nos outros, mas do qual, com a exceção dos cristãos, ninguém se acha culpado. Já ouvi quem admitisse ser mal humorado, ou não ser capaz de resistir a um rabo de saia ou à bebida, ou mesmo ser covarde. Mas acho que nunca ouvi um não cristão que tenha alguma tolerância com esse vício nas outras pessoas. Não existe nenhum outro defeito que torne alguém tão impopular, e mesmo assim não existe defeito mais difícil de ser detectado em nós mesmos. Quanto mais o temos, menos gostamos de vê-lo nos outros.

O vício do qual estou falando é o orgulho ou a presunção. A virtude oposta a ele, na moral cristã, é chamada de humildade. [...] De acordo com os mestres cristãos, o vício fundamental, o mal supremo, é o orgulho. A devassidão, a ira, a cobiça, a embriaguez e tudo o mais não passam de ninharias comparadas com ele. É por causa do orgulho que o diabo se tornou o que é. O orgulho leva a todos os outros vícios; é o estado mental mais oposto a Deus que existe.

Parece que estou exagerando? Se você acha que sim, pense um pouco mais no assunto. Agora há pouco, observei que, quanto mais orgulho uma pessoa tem, menos gosta de vê-lo nos outros. Se quer descobrir quão orgulhoso você é, a maneira mais fácil é perguntar-se: ‘Quanto me desagrada que os outros me tratem como inferior, ou não notem a minha presença, ou interfiram nos meus negócios, ou me tratem com condescendência, ou se exibam na minha frente?’ A questão é que o orgulho de cada um está em competição direta com o orgulho de todos os outros.” (Id., p. 161)

Quando lemos a Bíblia, podemos perceber que o orgulho é a base de praticamente todos os conflitos humanos e entre os homens e Deus apresentados tanto no Velho quanto no Novo Testamento. Quando José apressou-se em contar à sua família sobre seu sonho, ele o fez por orgulho: sentia-se superior [Gn 37:5], ainda que de modo bastante infantil. Quando seus irmãos o traíram, também o fizeram por orgulho: irritaram-se ao se sentirem inferiores [o que já era provocado pela diferença de tratamento que Jacó instituiu entre eles]. E Mical? Ao repreender Davi, que dançava junto ao povo sem se sentir superior por ser rei, Mical demonstrou orgulho, desprezando Davi, e foi severamente punida por isso [2 Sm 6: 14-23]. E em Davi, havia orgulho? Durante sua trajetória, percebemos a humildade profunda de seu coração, diante de seus irmãos e diante do povo, mesmo sendo ele rei de Israel. Nesse aspecto, ele era um homem segundo o coração de Deus [1 Sm 13:14]. Isso não isenta Davi de ter sentido profunda inveja de Urias, a ponto de enviá-lo para a morte. A inveja é um tipo de pecado decorrente do orgulho. Davi queria o que era de Urias porque se achava mais merecedor de Betsabá do que ele. Isso também é uma forma de orgulho.

Na Bíblia, Deus nos mostra que toda reação de orgulho tem sua punição. A maior demonstração de orgulho e a maior queda de todas é a do anjo Lúcifer, uma palavra do Latim (lucem ferre) que quer dizer "portador de luz". Da ordem dos querubins, Lúcifer era um anjo poderoso. Seu poder e sua beleza, entretanto, levaram-no a se achar igual ou melhor que Deus. Em Ezequiel, capítulo 28, versos de 1 a 19, o orgulho do rei de Tiro é comparado ao de Lúcifer. Diz o texto:

“Tu és o aferidor da medida, cheio de sabedoria e perfeito em formosura. Estavas no Éden, jardim de Deus; toda pedra preciosa era a tua cobertura [...] Tu eras querubim ungido para proteger, e te estabeleci [...] Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado, até que se achou iniquidade em ti. [...] Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor; por terra te lancei [...].”

Em Isaías, cap. 14, versos de 12 a 20, a queda de Nabucodonosor também é comparada à queda de Lúcifer:

“Como caíste do céu, ó estrela da manhã, filha da alva! Como foste lançado por terra, tu que debilitavas as nações! E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, e, acima das estrelas de Deus, exaltarei o meu trono [...] Subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo.”

Mais uma vez, o orgulho atua de forma decisiva para a queda do anjo Lúcifer. E como ele tentou Eva e Adão? Com o orgulho: “... no dia em que dele comerdes, se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus...” (Gn 3:5). Todo o trabalho de Deus no homem é para fazê-lo menos orgulhoso. O homem orgulhoso é o que deseja ser como Deus. É o que tem o ego superestimado, e não permite que Cristo cresça em sua vida. É claro, existem graus de orgulho, mas, como diz Lewis, “é a comparação que torna uma pessoa orgulhosa: o prazer de estar acima do restante dos seres” (Ibid., p. 163).

No Novo Testamento, também não nos faltam exemplos de orgulho. Um dos mais interessantes, que muitos cristãos não interpretam como orgulho, é a reação do irmão do filho pródigo quando o pai recebe com honras o filho que estava longe. O filho que jamais havia se afastado do pai sentia-se superior a seu irmão, e não admitiu, portanto, que o pai o honrasse. Isso é orgulho. Alguns cristãos acham justificável ou menos importante a reação do irmão do filho pródigo. Jesus usou a parábola para ilustrar a reação de muitos cristãos diante de bênçãos que Deus concede a outros irmãos.

Outro exemplo bastante claro de orgulho é Pedro. Pedro não era somente orgulhoso, ele não tinha domínio próprio, era impulsivo e imaturo. Quando Pedro declara que jamais trairá Jesus, ele acredita em si mesmo. Ele acredita que, diferentemente dos demais, é bom o suficiente para permanecer fiel a Cristo mesmo diante de toda a pressão política e religiosa que os discípulos de Jesus estavam sofrendo. O que curou Pedro? Como Jesus curou Pedro de seu orgulho, para poder usá-lo? Jesus fez Pedro reconhecer seu orgulho e seu amor por Cristo. Quando Pedro disse: “Senhor, estou pronto para ir contigo até à prisão e à morte” (Lc 22:33), ele estava centrando suas palavras e seus sentimentos sobre si mesmo e acreditando em suas próprias forças. Isso é orgulho. Por que Jesus perguntou a Pedro: “Simão, filho de Jonas, tu me amas?” Essa era a cura do orgulho de Pedro. Ele deixava de centrar seu discurso em si mesmo e passava a colocar Cristo no centro de suas palavras: “Sim, Senhor; tu sabes que te amo”. Entre “estou pronto” e “tu sabes” existe uma grande diferença: na primeira frase, o “eu” assume papel central. Na segunda, o “tu” [que é Jesus] é que é relevante. O orgulho faz com que nos coloquemos, nós e nossa capacidade, no centro. A humildade coloca Jesus no centro do nosso discurso (e, consequentemente, do coração). O exemplo perfeito de humildade foi Cristo. Cristo não tinha orgulho. Andava com os humildes, não se importava em ser visto como inferior, lavava os pés de seus discípulos, desafiava os conceitos orgulhosos da sociedade de sua época. Deus nos mandou Jesus para que víssemos como Ele mesmo é. Não há orgulho em Deus. C. S. Lewis, em O Problema do Sofrimento, diz:

“Da mesma forma que o jovem deseja uma mesada do pai, que possa considerar como sua, com a qual faz seus próprios planos (e com justiça, pois o pai é afinal de contas um semelhante) eles [os seres humanos] também desejavam agir por conta própria, cuidar de seu futuro, planejar para o seu prazer e segurança, ter um meu do qual sem dúvida pagariam um tributo razoável a Deus em termos de tempo, atenção, e amor, mas que em todo caso era deles e não dEle. Eles queriam, como dizemos hoje, ser 'seus próprios donos'. Mas isso significa viver uma mentira, porque na verdade não somos donos de nós mesmos, nossa alma não é nossa. Eles queriam um lugar no universo de onde pudessem dizer a Deus: 'Este negócio é nosso e não seu'. Mas não existe um canto assim. […] Este ato de obstinação por parte da criatura, que constitui uma absoluta falsidade em relação à sua posição de criatura, é o único pecado que pode ser concebido como a Queda. [...] Dessa forma o orgulho e a ambição, o desejo de ser belo a seus próprios olhos e de oprimir e humilhar todos os rivais, a inveja e a busca incessante de mais e mais segurança, eram agora as atitudes que tomava com maior facilidade.” (p. 60 a 63)

O orgulho de Pedro, centrado na ilusão de sua própria autossuficiência, levou-o a afirmar que jamais negaria Cristo e a negá-lo pouco tempo depois. Não tenho dúvidas de que Pedro, realmente, acreditava em si mesmo quando afirmava que jamais negaria a Cristo. Um dos problemas do orgulho é que ele leva as pessoas a acreditarem em si mesmas, negando a Deus o seu lugar em suas vidas. Pessoas orgulhosas acreditam-se suficientemente importantes ao ponto de acharem que podem, por seus esforços, manterem-se fieis a Deus. O humilde crê que tudo pode por Deus, como fez Davi ao atacar Golias. O orgulhoso acredita em si mesmo, como fez Pedro. Creio que deve ser muito difícil ser líder em uma igreja. A tentação de um líder é acreditar em si mesmo. Aí começa a possibilidade de Satanás fazer desse líder alguém que de fato ignora Deus, embora pareça agir com temperança, equilíbrio e sensatez. E Satanás se compraz nesses seres religiosos que não só acreditam em si mesmos como buscam não as virtudes espirituais, mas apenas as virtudes morais. Alguns têm orgulho de sua humildade, de sua dedicação a Deus, do trabalho que realizam na Igreja... Como diz C. S. Lewis, também em O Problema do Sofrimento:

“Em Deus defrontamos com algo que é, em todos os aspectos, infinitamente superior a nós. Se você não sabe que Deus é assim – e que, portanto, você não é nada comparado a ele –, não sabe absolutamente nada sobre Deus. O homem orgulhoso sempre olha de cima para baixo para as outras pessoas e coisas: é claro que, fazendo assim, não pode enxergar o que está acima de si.

Isso levanta uma questão terrível. Como podem existir pessoas evidentemente cheias de orgulho que declaram acreditar em Deus e se consideram muitíssimo religiosas? Infelizmente, elas adoram um Deus imaginário. Na teoria, admitem que não são nada comparadas a esse Deus fantasma, mas na prática passam o tempo todo a imaginar o quanto ele as aprova e as tem em melhor conta que ao resto dos mortais. Ou seja, pagam alguns tostões de humildade imaginária para receber uma fortuna de orgulho em relação a seus semelhantes [...].

Mais de um homem conseguiu superar a covardia, a luxúria ou o mau humor pela crença inculcada de que tudo isso estava abaixo de sua dignidade. Ou seja, venceram pelo orgulho. O diabo ri às gargalhadas. Fica satisfeitíssimo de nos ver castos, corajosos e controlados desde que, em troca, prepare para nós uma Ditadura do Orgulho. Do mesmo modo, ele ficaria contente de curar as frieiras dos nossos pés se pudesse, em troca, nos deixar com câncer. O orgulho é um câncer espiritual: ele corrói a possibilidade mesma do amor, do contentamento e até do bom senso." (p. 165-167)

Por outro lado, a autossuficiência aliada à “crença em si mesmo” gera o que descreve G. K. Chesterton, em Ortodoxia:

"Pessoas completamente mundanas nunca entendem sequer o mundo; elas confiam plenamente numas poucas máximas cínicas não verdadeiras. Lembro-me de que, certa vez, fiz um passeio com um editor de sucesso, e ele fez uma observação que eu ouvira muitas vezes antes; é, na verdade, quase um lema do mundo moderno. Todavia, eu ouvi essa máxima cínica mais uma vez e não me contive: de repente vi que ela não dizia nada. Referindo-se a alguém, disse o editor: 'Aquele homem vai progredir; ele acredita em si mesmo'.

Lembro-me de que, quando levantei a cabeça para escutar, meus olhos se fixaram num ônibus no qual estava escrito 'Hanwell' [nome de um asilo para loucos, como será verificado mais à frente]. Disse-lhe eu então: 'Quer saber onde ficam os homens que acreditam em si mesmos? Eu sei. Sei de homens com uma confiança mais colossal do que a de Napoleão ou César. Sei onde arde a estrela fixa da certeza e do sucesso. Posso conduzi-lo aos tronos dos super-homens. Os homens que realmente acreditam em si mesmos estão todos em asilos de lunáticos'.

Ele disse calmamente que, no fim das contas, havia um bom número de homens que acreditavam em si mesmos e que não eram lunáticos internados em asilos. 'Sim, certamente', retruquei, 'e você mais do que ninguém deve conhecê-los. Aquele poeta bêbado de quem você não quis aceitar uma lamentável tragédia, ele acreditava em si mesmo. Aquele velho ministro com um poema épico de quem você se escondia num quarto dos fundos, ele acreditava em si mesmo. Se você consultasse sua experiência profissional em vez de sua horrível filosofia individualista, saberia que acreditar em si mesmo é uma das marcas mais comuns de um patife. Atores que não sabem representar acreditam em si mesmos; e os devedores que não vão pagar. Seria muito mais verdadeiro dizer que um homem certamente fracassará por acreditar em si mesmo. Total autoconfiança é uma fraqueza. Acreditar absolutamente em si mesmo é uma crença tão histérica e supersticiosa como acreditar em Joanna Southcote [Ela (1750-1814) se dizia virgem e grávida do novo Messias, e chegou a ter muitos seguidores]: quem o faz traz o nome 'Hanwell' escrito no rosto com a mesma clareza com que ele está escrito naquele ônibus.'

A tudo isso meu amigo editor deu esta profunda e eficaz resposta: 'Bem, se um homem não acredita em si mesmo, em que vai acreditar?' Depois de uma longa pausa eu respondi: 'Vou para casa escrever um livro em resposta a essa pergunta'. Este é o livro que escrevi para responder-lhe." (p. 25-27)

Essa é, em suma, a tendência do homem: acreditar em si mesmo e deixar Deus de fora. Assim fez Jonas, quando foi enviado para pregar em Nínive. Assim fez Moisés, quando em vez de falar à rocha feriu-a com o cajado, para obter água. Tudo isso é fruto do “eu” inchado. Essa tendência, hoje, é exacerbada em céticos e ateus. Na Igreja, por mais que isso nos custe admitir, convivemos com pessoas que acreditam que Deus serve para algumas coisas, mas não para todas. Nós mesmos, e isso é ainda mais difícil de admitir, nos forçamos a acreditar em nós mesmos diariamente – em como somos de fato merecedores da graça de Deus e especiais, por termos sido “escolhidos”. Afinal, escrevemos em letras pequenas “se Deus é por nós” e em letras garrafais “QUEM SERÁ CONTRA NÓS?" E nos achamos inatingíveis.

“Todavia, Deus, que nos fez, sabe o que somos e que nossa felicidade está nEle. Nós porém não a buscamos nEle enquanto permitir-nos qualquer outro recurso onde ela possa plausivelmente ser procurada. Enquanto aquilo que chamamos de ‘nossa própria vida’ permanecer agradável, não iremos entregá-la a Ele. O que pode então Deus fazer em nosso benefício senão tomar ‘nossa vida’ menos agradável, e remover as fontes plausíveis da falsa felicidade? É justamente aqui, onde a providência divina parece à primeira vista ser mais cruel, que a humildade divina, o rebaixamento do Altíssimo merece o maior louvor.

Quero implorar ao leitor que tente crer, embora apenas por um momento, que o Deus que fez todas essas pessoas cheias de mérito, possa estar realmente certo quando pensa que sua modesta prosperidade e a felicidade de seus filhos não bastam para fazê-las abençoadas: que tudo isso deve deixá-las no final, e que se não tiverem aprendido a conhecê-lo se sentirão miseráveis. E assim Ele as perturba, advertindo-as antecipadamente de uma insuficiência que um dia terão de descobrir. A vida para elas e suas famílias se interpõe entre as mesmas e o reconhecimento de sua necessidade; Ele torna essa vida menos suave para elas. Chamo a isto de humildade divina porque é deprimente procurar Deus quando o navio está afundando debaixo de nós; deprimente achegar-nos a Ele como um último recurso, oferecer nossa pessoa quando não vale mais a pena guardá-la.

Se Deus fosse orgulhoso, Ele jamais nos aceitaria nesses termos, mas Ele não é orgulhoso, Ele se abaixa para conquistar, Ele nos aceita embora tenhamos mostrado que preferimos tudo o mais a Ele, e nos achegamos porque agora não há ‘nada melhor’ que possamos ter. A mesma humildade é manifestada através de todos os apelos divinos aos nossos temores, o que perturba alguns leitores das Escrituras. É bem pouco simpático para Deus que o escolhamos como uma alternativa para o inferno: mas até mesmo isto ele aceita. A ilusão de autossuficiência da criatura deve, em seu próprio benefício, ser destruída; e pelas dificuldades ou medo das dificuldades na terra, pelo medo indisfarçado das chamas eternas. Deus a destroça ‘não levando em conta a diminuição de sua glória’. Os que desejariam que o Deus da Bíblia fosse mais puramente ético, não sabem o que estão pedindo. Se Deus fosse um kantista, que não quisesse aceitar-nos senão quando nos aproximássemos dele baseados nos motivos mais puros e melhores, quem poderia ser então salvo? E essa ilusão de autossuficiência pode ser mais forte em algumas pessoas muito honestas, bondosas e temperantes, e sobre elas, então, a desgraça deve cair.

Os perigos da autossuficiência aparente explicam por que Nosso Senhor considera os vícios dos fracos e dissipados com muito maior tolerância do que os vícios que levam ao sucesso mundano. As prostitutas não correm o risco de considerar sua vida presente tão satisfatória que não possam voltar-se para Deus: os orgulhosos, os avarentos, os que possuem autorretidão, correm esse perigo.” (O Problema do Sofrimento, p. 75 a 77)

Mas, afinal, de onde vem o orgulho? Ele pode ser vencido? Com a queda, a visão do homem turvou-se. Todo homem tem uma visão distorcida de si mesmo, de Deus e de seu próximo. Jesus veio corrigir essa visão, ao nos mostrar, em si mesmo, o exemplo do que já houve de mais humilde sobre a Terra. O orgulho é um sentimento decorrente das falsas perspectivas que temos acerca de nós mesmos, do próximo e de Deus. Não é um problema impossível de ser amenizado, mas exige uma morte diária, o que Cristo chamou de “tomar a sua cruz e segui-lo”. Quando falo aqui de "morte diária", não estou falando da mera manutenção de hábitos e costumes aceitáveis dentro da igreja, como não fumar, não beber, ser educado e dizer ‘por favor’, mas de uma revisão geral de ideias que cada um tem sobre si mesmo. O dia a dia nos leva, automaticamente, a sermos confrontados com nossa própria visão de mundo. Nesse confronto, temos a escolha de deixar o “eu” morrer, o que é doloroso, ou deixar o “eu” permanecer: temos de ter razão? Temos de ser importantes? Somos indispensáveis? Somos “bons cristãos”? Somos melhores que outros seres humanos? Você se importa muito se as pessoas têm uma visão negativa a seu respeito? Você se preocupa demais com o que dizem de você? Ao deixarmos o “eu” morrer, certamente seremos pisados. Nossa tentação de retrucar e recuperar o nosso “eu” e seu suposto “valor” é muito grande. Mas, se deixamos o “eu” morrer, de fato, Cristo pode finalmente ocupar algum espaço em nós. Não há outro caminho. Em vez de confiarmos em nós mesmos, em nossa perspicácia ou inteligência, devemos, como crianças, procurar o olhar do Pai. Como diz C. S. Lewis, o orgulho jamais poderá ser vencido: ele é a própria natureza do velho homem - “Daí a necessidade de morrer diariamente: por mais que julguemos ter esmagado o ‘eu’ rebelde, vamos sempre descobri-lo vivo.” (O Problema do Sofrimento, p. 71)


REFERÊNCIAS

CHESTERTON, G. K. Ortodoxia. São Paulo: Mundo Cristão, 2008.

LEWIS, C. S. Cristianismo Puro e Simples. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

______. O Problema do Sofrimento. São Paulo : Vida, 2002.

Bíblia de Estudo Pentecostal.

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